INDÚSTRIA CULTURAL

Real completa 30 anos de circulação, junto ao grande retorno do cinema nacional

Especialistas conversam com o Viver sobre o impacto da criação da moeda na produção cinematográfica brasileira, que viveu uma de suas fases mais marcantes após o Plano Real

Publicado em: 01/07/2024 06:00 | Atualizado em: 28/06/2024 14:59

 (Central do Brasil foi um dos principais filmes do período da retomada do cinema brasileiro. Divulgação)
Central do Brasil foi um dos principais filmes do período da retomada do cinema brasileiro. Divulgação
Está completando hoje exatamente três décadas desde que o real entrou em circulação, após um longo processo pela estabilização da economia iniciado em 1993. Essa iniciativa foi o Plano Real, que acabou com a situação inflacionária que o país vivia (chegando a 4.922% um mês antes do lançamento da nova moeda). Ministério da Fazenda, Banco Central e Casa da Moeda, no governo de Itamar Franco, começaram um complexo trabalho de ajuste fiscal e de demarcação da Unidade Real de Valor (URV) como moeda escritural, utilizada durante o período de transição. E, em 1º de julho de 1994, o real entrou em vigor no Brasil.

Com os aumentos de impostos e reforma promovida no orçamento da união, o governo, através de medida aprovada no congresso, teve acesso a 20% de recursos destinados a áreas essenciais (saúde, educação), além de ter estabilizado os preços, que deixaram de ser reajustados diariamente pela inflação. Essas e outras medidas fizeram com que esse período representasse uma novo momento tanto na indústria quanto na área de serviços.

A cultura, especialmente no audiovisual, viveu simultaneamente um ressurgimento que marcou a história do país nas telas. A Embrafilme, empresa brasileira de cinema (de produção e distribuição) fundada em 1969, havia sido encerrada em 1990 pelo governo de Fernando Collor de Mello, resultando num hiato das políticas públicas para produção nacional que durou até o chamado período da Retomada. A Lei Rouanet, mecanismo de incentivo através de renúncias fiscais, já existia desde 1991, abrangendo um amplo leque de manifestações culturais, da música ao teatro, artes visuais e literatura. Mas em julho de 1993, foi promulgada a Lei do Audiovisual, que visa a fomentação do cinema brasileiro também por meio de dedução de impostos.
  
“Um novo embrião do audiovisual brasileiro veio junto com o Plano Real. O cinema é uma atividade financeira como várias outras e todas as atividades financeiras ressuscitaram ou surgiram do zero a partir do que o Plano Real oferecia e prometia. Um cinema que ficou sem pai nem mãe por anos, por conta do desastroso fim da Embrafilme, teve um crescimento proporcionado tanto por essas políticas públicas quanto pelo próprio talento e dedicação de muitas pessoas”, relembrou Luiz Joaquim, crítico e coordenador do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, ao Viver.

“O cinema nacional já vinha, no final dos anos 1980, de uma produção mais marginalizada – o que não quer dizer ruim, pelo contrário, mas eram filmes de orçamento reduzido, época das pornochanchadas, dos filmes da Boca do Lixo. E, na economia, tudo vinha dando muito errado, com a inflação nas alturas, confisco das poupanças. Quando o Plano Real surge, vem uma melhora essencial para que muita gente voltasse a produzir. Destacaria Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, de Carla Camurati, como esse case de sucesso de crítica e público, em 1995, e, a partir dele, vários outros filmes se tornaram clássicos”, explicou Filipe Falcão, doutor em Comunicação e pesquisador de audiovisual. 

A fase da Retomada, que começa em 1995, é considerada um dos momentos de maior prestígio do cinema brasileiro, inclusive do ponto de vista de exportação. Três das quatro produções nacionais que emplacaram no Oscar de melhor filme estrangeiro/internacional foram lançadas neste período: O quatrilho, de Fábio Barreto, O que é isso, companheiro?, de Bruno Barreto, e Central do Brasil, de Walter Salles – que ainda indicou Fernanda Montenegro a melhor atriz.

“A fase após o Plano Real foi central para viabilizar o acesso, tanto aos mecanismos de produção a quanto às referências que foram construindo o olhar de toda uma geração, como a minha. Nessa mesma época de retomada, houve ainda a popularização do DVD, principalmente a partir dos anos 2000. Ficou muito mais fácil e barato adquirir esse acervo e, com isso, se populariza a presença do cinema na vida das pessoas, o que também vai alimentar um desejo por filme brasileiro”, destacou o cineasta Daniel Bandeira (Amigos de risco e Propriedade). “O momento econômico do país veio junto ainda com uma virada tecnológica que tornou mais ao alcance a ânsia da realização do cinema: a chegada, anos depois, do vídeo digital. Isso vai se refletir na gramática dos filmes, que vão ter uma influência maior do cinema de diferentes gêneros também”, acrescentou.

O jornalista e crítico Marden Machado ressaltou a importância da estabilidade da moeda para a criação de políticas públicas de incentivo à cultura e seu impacto produtivo na economia. “A reativação de uma estrutura de fomento à cultura e da produção cinematográfica, sobretudo a criação de leis de incentivo, foi primordial para que essa retomada acontecesse. Carlota Joaquina foi apenas o ponto inicial, mas, a partir daí, o cinema ganhou fôlego novamente. Ter uma política de estado com um olhar mais cuidadoso e respeitoso para com a produção cultural – que mobiliza as pessoas, gera emprego e é importantíssima para a identidade de um país – vem principalmente na esteira de uma moeda estável”, pontuou.
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