LITORAL SUL

Mais de 70 trabalhadores em situação análoga à escravidão em construção de condomínios de luxo são resgatados

Eles estavam em alojamentos insalubres e superlotados

Publicado em: 29/08/2024 14:20 | Atualizado em: 29/08/2024 21:55

Trabalhadores foram resgatados nos dias 19 e 20 deste mês (Divulgação/MPT-PE)
Trabalhadores foram resgatados nos dias 19 e 20 deste mês (Divulgação/MPT-PE)

 
Setenta e três pessoas em situação análoga à escravidão foram resgatadas no Litoral Sul de Pernambuco, nos dias 19 e 20 de agosto.
 
Os trabalhadores, que prestavam serviço no setor da construção civil, estavam em alojamentos insalubres e superlotados. Além disso, há queixas de transporte irregular para os locais das obras e ausência de registro de trabalho. 
 
Construção de resorts e condomínios de luxo
 
A mão de obra era utilizada por empresas responsáveis pela construção de resorts e condomínios de luxo em praias da região.
 
“Esses trabalhadores eram arregimentados em suas cidades natais e levados para esses alojamentos. Eles vinham de vários municípios do Estado, como Palmares e Caruaru”, explicou a procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco, Ana Carolina Lima Vieira. 
 
“Carandiru” 

Com promessa de emprego, os trabalhadores tinham que arcar com os custos dos alojamentos - um deles chamado de “Carandiru” -, e de utensílios básicos, como geladeira, fogão, cama e ventilador, segundo o MPT-PE. A fiscalização também identificou riscos na parte estrutural e elétrica dos alojamentos.
 
“Os trabalhadores resgatados relataram que recebiam cerca de R$ 80 para os custos com a moradia e alimentação. Para conseguir se manter, eles se reuniam em grupos de 12 a 16 pessoas que dividiam um apartamento com uma sala pequena, três quartos, cozinha e dois banheiros. Havia pessoas que dormiam na cozinha e na sala. Eles mesmos construíam as camas que dormiam com madeiras descartadas das obras”, relatou a procuradora Jailda Pinto. 

Os relatos dos resgatados indicam que eles não tinham registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) ou qualquer tipo de contrato de trabalho.
 
“Como a jornada de trabalho era de 7h às 17h, as empresas forneciam, apenas, o café da manhã e o almoço nos locais das construções. O jantar não era ofertado aos trabalhadores, que muitas vezes faziam refeições inadequadas e sem valor nutricional, além de também precisar custeá-las”, destacou a procuradora Gabriela Maciel.
 
Quanto ao transporte dos trabalhadores dos alojamentos para as obras, os relatos são de que eles eram levados em caminhões caçamba, sem qualquer segurança.
 
Além das procuradoras do MPT-PE, participaram da força-tarefa de resgate auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho em Pernambuco (SRTb/PE) e agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF).  
 
Os nomes das empresas e da cidade onde ocorreu o resgate não foram informados. 
 
Termo de Ajuste de Conduta  

O MPT em Pernambuco, junto à Justiça do Trabalho, tem realizado audiências com o intuito de firmar Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com as empresas envolvidas no caso. O TAC prevê a regularização da situação dos trabalhadores, o pagamento de dano moral individual aos trabalhadores resgatados, além de dano moral coletivo e obrigações de não fazer dos empregadores.
 
De acordo com o MPT-PE, os trabalhadores receberam três parcelas do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado. O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) de Ipojuca prestaram assistência ao grupo.
 
Operação Resgate IV
 
De julho e agosto deste ano, a Operação Resgate IV retirou 593 trabalhadores de condições de trabalho escravo contemporâneo no Brasil. O número é 11,65% maior do que o de resgatados da operação em 2023 (532). 

Os estados com mais pessoas resgatadas foram Minas Gerais (291), São Paulo (143), Pernambuco (91) e Distrito Federal (29). Houve resgates em 10 estados.
 
Quase 72% do total de resgatados trabalhavam na agropecuária, outros 17% na indústria e cerca de 11% no comércio e serviços.
 
Entre as atividades econômicas com maior número de vítimas na área rural estão o cultivo da cebola (141), da horticultura (82), de café (76) e de alho (59) e cultivo de batata e cebola (84).
 
Na área urbana, destacaram-se os resgates ocorridos na fabricação de álcool (38), administração de obras (24) e atividade de psicologia e psicanálise (18). Houve inspeção em dez ambientes domésticos e duas trabalhadoras foram resgatadas.
 
Além dos 73 no Litoral Sul, outros 18 trabalhadores foram resgatados de uma clínica para dependentes químicos no Estado. Eram pacientes internados que realizavam as atividades laborais compulsoriamente como parte da internação (atividades administrativas, de portaria, de vigilância e de alimentação). A clínica contava com 63 internos e não tinha empregados registrados. Segundo o MPT, essa fiscalização está em andamento.
 
 
Errata: o MPT em Pernambuco corrigiu de 80 para 73 o número de resgatados que havia divulgado à imprensa mais cedo.  
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