Ciência

Programa de Doação de Corpos da UPE desmistifica tabus e incentiva cessão de cadáveres para estudos científicos

O programa foi criado em 2020 diante da necessidade de doação de novos corpos, uma vez que a universidade trabalha com materiais antigos

Publicado em: 26/08/2024 06:00 | Atualizado em: 26/08/2024 08:47

O número de doação de corpos caiu durante a pandemia e a oportunidade de realizar a dissecação é uma oportunidade destinada a estudantes de poucas universidades brasileiras (Foto: Priscilla Melo/DP Foto)
O número de doação de corpos caiu durante a pandemia e a oportunidade de realizar a dissecação é uma oportunidade destinada a estudantes de poucas universidades brasileiras (Foto: Priscilla Melo/DP Foto)
Quando se perde um parente ou quando o assunto sobre morte aparece na mesa de discussões, as primeiras coisas a serem discutidas são o velório e sepultamento da pessoa que está prestes a partir ou já partiu.
 
Apesar de não saber, o corpo de uma pessoa morta pode auxiliar no avanço da ciência, impulsionando estudos e pesquisas através da dissecação. Diante do desafio de encontrar cadáveres, a Universidade de Pernambuco (UPE) criou o Programa de Doação de Corpos.

Na quarta-feira (28), é celebrado o Dia Nacional da Doação de Corpos para Fins de Ensino e Pesquisa. A data, que foi escolhida pela Sociedade Brasileira de Anatomia (SBA), também pretende estimular a criação de projetos de doação pelas instituições de ensino superior, como a UPE. 

O Programa de Doação de Corpos da UPE traz como lema “Doar para Viver” e busca incentivar a doação de corpos para fins científicos. Criado em 2020, o grupo busca manter o acervo de corpos humanos para o ensino, pesquisa, extensão e treino cirúrgico da Anatomia Humana no Instituto de Ciências Biológicas dos campi do Recife, Arcoverde e Petrolina. Durante a criação do programa, os coordenadores notaram as necessidades dos estudantes nas aulas práticas.
 (Foto: Priscilla Melo/DP Foto)
Foto: Priscilla Melo/DP Foto

“Os objetivos do programa são informar a população que para além da cremação e do sepultamento também há a possibilidade de doar o corpo para a ciência e desmistificar [o assunto] para que nós possamos formar melhores profissionais de saúde e desenvolver novas técnicas cirúrgicas. A gente precisa sempre estar repondo os corpos e a forma que a gente tinha de repor com mais facilidade antigamente era com corpos não reclamados pelos familiares. Mas hoje em dia esses corpos tiveram uma baixa muito grande”, explica um dos coordenadores do programa, o mestre em Ensino de Ciências, Edivaldo Xavier, de 44 anos.

Um dos principais objetivos da iniciativa, que conta atualmente com 35 alunos e um outro coordenador, o Dr. Joaquim Celestino, é captar novos doadores através de campanhas promovidas através das redes sociais e informes à população sobre a importância da doação. Com o apoio e financiamento pelo edital de extensão da Pró-reitoria de Extensão e Cultura (PROEC), diversos estudantes extensionistas já fizeram parte do projeto.

Após o período de pandemia, os integrantes do programa desenvolveram eventos para captar novos doadores e seguem até os dias atuais realizando atividades de divulgação. Pelo menos 35 voluntários já mostraram interesse em doar os corpos para estudos científicos da universidade, mas até o momento nenhum novo corpo chegou através do programa, o que ressalta a dificuldade na recrutação.

“Recentemente tivemos dois voadores. Quando eles aparecem é dia de festa porque não é fácil que isso aconteça, pois o doador precisa conhecer todo o processo e ter ciência. A gente pode descobrir no corpo o resultado para um tratamento para um possível ente querido do doador, pois muitas vezes, por exemplo, as patologias que são genéticas”, ressalta o coordenador do programa.

De acordo com o Programa de Doação de Corpos, a dissecação é a forma mais eficaz de se estudar o corpo humano, sendo um método antigo, datado por volta de 500 a.C. pelos gregos, embora alguns autores afirmem que os egípcios foram os primeiros a realizá-la. A metodologia consiste no estudo da anatomia, na abertura e separação de organismos mortos, para estudar diferentes órgãos ou outras partes dos corpos, sejam de pessoas ou outros animais.

A dissecação pode ser realizada num cadáver fresco, que não está preservado, ou em cadáveres artificialmente conservados. Por conta da dificuldade em encontrar cadáveres, a maioria das universidades utilizam produtos fixadores para conservar os corpos. Para isso, é preciso remover o sangue e substituí-lo por um fixador, como o formol.

A estudante do terceiro período de odontologia da UPE, Joana Gama, de 19 anos, conta que o processo de captação dos novos corpos é difícil e que os estudos com cadáver ajudam na formação profissional.

“À medida que os corpos vão ficando mais velhos, é mais difícil de identificar algumas estruturas e por isso tem que ter uma certa renovação nos corpos que são doados e para isso temos o programa, para a gente conseguir divulgar esse problema da faculdade e conseguir uma maior captação da doação de corpos. O estudo com cadáver é sem comparação com relação aos estudos por imagem e por livro, porque quando a gente pega a peça real, a gente vê a complexidade que ela tem”, detalha.

Clara Souza, estudante do segundo período de odontologia da universidade, reforçou a diferença dos estudos na prática com os corpos doados.

“Desde o primeiro período a gente tem contato com corpos, com peças e eu acho isso muito legal porque todo mundo que faz um curso de saúde sonha muito com essa parte de aula de anatomia. O estudo com os corpos é mais desafiador, porque peças de outros materiais, como plástico, são coloridas, é tudo muito fácil e muito explicadinho. Com o corpo real, a gente tem que aprender para poder fazer a prova e no dia a dia a gente vai lidar com essa realidade”, pontua.

Atuando no programa há mais de um ano como líder de mídias digitais, Jayne Agra, de 21 anos, comenta sobre as pedras encontradas no caminho na hora da divulgação da iniciativa.
 (Foto: Priscilla Melo/DP Foto)
Foto: Priscilla Melo/DP Foto

“Nossa atuação é mais na propagação desse programa e como é que ele funciona, porque a gente sabe que tem muita desinformação acerca do Programa de Doação de Corpos. Muita gente ainda acha um absurdo e a gente vai entrando justamente nessa parte de desmistificar e falar como o programa contribui. A gente faz cursos ecumênicos e entrega panfletos e na Semana Universitária fazemos exposição”, explica.

Doação

De acordo com o site do Programa de Doação de Corpos da UPE, a cessão do material cadavérico tem diversos benefícios para ciência, entre eles o impulsionamento no  desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas, mais eficiente e menos invasivas, que poderão vir ajudar na saúde de um ente querido e contribuição na descoberta de novas doenças.

Além disso, os estudos com cadáveres permitem que os profissionais da saúde tenham uma formação mais realista com o seu dia a dia profissional, auxilia no desenvolvimento de pesquisas médico-científicas e possibilita o conhecimento e o estudo, aprofundado, das variações anatômicas importantes para procedimentos cirúrgicos.

O número de doação de corpos caiu durante a pandemia e a oportunidade de realizar a dissecação é uma oportunidade destinada a estudantes de poucas universidades brasileiras. Muitas instituições localizadas no interior não disponibilizam cadastros voluntários e isso atinge a oferta.

De acordo com o programa da UPE, para doar um corpo para a ciência é necessário:

  • Ser maior de 18 anos;
  • Poder responder pelos próprios atos e por livre e espontânea vontade desejar doar o seu corpo;
  • Preencher o Formulário de Inscrição;
  • Preencher o Termo de Intenção em Doar o Corpo registrado em cartório com assinatura de duas testemunhas em duas vias;
  • Preencher o Termo de Consentimento registrado em cartório com assinatura de duas testemunhas em duas vias; 
  • Cópia de um documento de identidade autenticada em cartório.

Caso haja interesse de doar o corpo de um familiar, ou indivíduo menor de 18 anos:

  • Os pais e/ou responsáveis, deverão preencher o Formulário de Inscrição;
  • O Termo de Doação de Corpo de Membro da Família em via dupla, registrar em cartório;
  • O Termo de Consentimento em via dupla, registrar em cartório;
  • Cópia de documento, reconhecida em cartório, da pessoa a doar o falecido.
Mais dúvidas sobre a doação podem sem esclarecidas através do Laboratório de Anatomia da UPE, pelo número (81) 3184-1242 ou pelo e-mail doacaodecorpos@upe.com.br.
Tags: ciência | upe | corpos | doação |
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