GUERRA

Líder do Hezbollah compara ataques a uma ''declaração de guerra'' de Israel

Em raro discurso, xeque Hassan Nasrallah, fundador da milícia xiita Hezbollah, acusa Israel de lançar ''grande operação terrorista'', reconhece "duro golpe" após explosões de pagers e walkie-talkies e desafia o Estado judeu a invadir o Líbano

Publicado em: 20/09/2024 10:23

Coluna de fumaça se ergue em local de bombardeio israelense no vilarejo de Adshit, no sul do Líbano  (Crédito: Ammar Ammar/AFP)
Coluna de fumaça se ergue em local de bombardeio israelense no vilarejo de Adshit, no sul do Líbano (Crédito: Ammar Ammar/AFP)

No momento em que as televisões do Líbano transmitiam um raro pronunciamento do xeque Hassan Nasrallah, chefe do movimento xiita Hezbollah, o estrondo de caças israelenses rompendo a barreira do som pôde ser ouvido em Beirute. Parecia um recado de que a guerra começou a mudar de foco da Faixa de Gaza, no sul de Israel, para a fronteira norte. Nasrallah advertiu que Israel "cruzou todas as linhas vermelhas" com os ataques sem precedentes de terça-feira (17/9) e quarta-feira (18) — a explosão de milhares de pagers e de centenas de walkie-talkies pertencentes aos integrantes da milícia.

 

"O que aconteceu foi uma grande operação terrorista. Definiremos os eventos como massacres. Estabelecemos vários comitês internos de investigação, exploramos todos os cenários e possibilidades, e chegamos a uma conclusão quase final: esses massacres equivalem a crimes de guerra ou uma declaração de guerra", declarou Nasrallah, que reconheceu um "duro golpe". 

 
Moradores do bairro de Shiyah, no sul de Beirute, assistem ao discurso de Hassan Nasrallah em cafeteria (Crédito:  Anwar Amro/AFP)
Moradores do bairro de Shiyah, no sul de Beirute, assistem ao discurso de Hassan Nasrallah em cafeteria (Crédito: Anwar Amro/AFP)
 
 
O líder do Hezbollah prometeu que Israel enfrentará "uma resposta esmagadora do eixo de resistência" — uma alusão a atores regionais aliados do grupo, como o movimento fundamentalista islâmico Hamas, os rebeldes iemenitas huthis, o Irã, a Síria e milícias iraquianas. Nasrallah também desafiou as forças de Benjamin Netanyahu a invadirem o Líbano. "O tolo líder do Comando Norte de Israel fala sobre uma zona de segurança dentro do território libanês. Estamos esperando que vocês entrem no território libanês. Estamos esperando por seus tanques, e veremos isso como uma oportunidade histórica", disse. Nasrallah avisou que "nenhuma escalada militar, nenhum assassinato e nenhuma guerra total conseguirão o retorno dos residentes (do norte de Israel) à fronteira" com o Líbano.

Depois do discurso, as Forças de Defesa de Israel (IDF) anunciaram que a Força Aérea do país bombardeou 100 lançadores de foguetes do Hezbollah e locais de "infraestruturas terroristas" que continham cerca de mil foguetes prontos para serem disparados. No norte de Israel, ataques com mísseis e drones da milícia xiita mataram dois soldados das IDF e feriram nove. Yoav Gallant, ministro da Defesa israelense, assegurou que "as ações militares contra o Hezbollah" continuarão. 

Explosivos

Uma investigação inicial das autoridades libanesas concluiu que os pagers e walkie-talkies foram armados com explosivos antes de entrarem no país. A informação foi divulgada pela missão do Líbano nas Nações Unidas, por meio de carta. "As investigações iniciais mostraram que os dispositivos foram armados profissionalmente, antes de chegarem ao Líbano, e foram detonados pelo envio de mensagens aos dispositivos", afirma o texto, ao qual a agência de notícias France-Presse teve acesso. Os ataques deixaram 37 mortos e mais de 3 mil feridos. O médico oftalmologista libanês Elias Warrak contou ao Correio que 60% dos lesionados perderam um ou os dois olhos. 

Professor de direito na Universidade Hebraica de Jerusalém, Barak Medina vê duas possibilidades de escalada do conflito entre Israel e Líbano. "Uma delas é o Hezbollah ampliar o seu poder de fogo até mais ao sul e atingir a cidade de Haifa, a 30km da fronteira, ou mesmo Tel Alviv. Em contrapartida, Israel bombardear Beirute. A outra envolve o Hezbollah invadir Israel", afirmou ao Correio, por e-mail. Ele acredita que Nasrallah foi "cauteloso" ao não ameaçar tomar nenhuma dessas medidas. "Até agora, parece que escolheu intensificar os ataques aos soldados das IDF e a vilarejos israelenses situados em um raio de até 10km da fronteira com o Líbano. Israel faz o mesmo, com mais bombardeios intensivos a alvos militares."

Medina acha improvável que o Hezbollah tome qualquer uma dessas opções, ao menos nos próximos dias. "Existe uma pressão política, dentro do Líbano, para que Nasrallah adote uma atitude. Também me parece que Israel não escalará o conflito", avalia. O especialista lembra que as explosões de pagers somente ocorreram na terça-feira passada porque Israel temia que o complô fosse descoberto.

Dilema

Historiador aposentado da Universidade Libanesa Americana, em Beirute, Habib Malik disse à reportagem que as ameaças de Nasrallah não passam de "fanfarronice". "O discurso foi uma maneira de manter sua audiência pacificada e solidária após as desastrosas explosões de pagers e walkie-talkies. A grande questão permanece: o que ele poderá fazer?", explicou. Para Malik, escalar o conflito significaria uma rápida derrota para Israel. "Se Nasrallah não escalar, com o tempo, seus apoiadores interpretarão isso como um sinal de fraqueza. Ele se encontra em um dilema, e a iniciativa está totalmente nas mãos dos israelenses neste momento."

Eytan Gilboa — professor de relações internacionais da Universidade de Bar-Ilan (em Ramat Gan) — admitiu ao Correio que Nasrallah tem coragem. "Ele é o agressor que declarou guerra a Israel em 8 de outubro e, desde então, vem atacando o território israelense de forma implacável, matando civis e destruindo casas em cidades e vilas, e expulsando cerca de 100 mil judeus de suas casas", observou. "Ou Nasrallah concorda com uma solução diplomática que empurre seus combatentes para mais de 10km da fronteira israelense ou o Exército de Israel o forçará a fazê-lo, por meio de uma operação limitada ao sul do Líbano." 
 
As informações são do Correio Braziliense. 
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