URBANISMO

O Recife que não existe mais: do preto e branco ao digital, fotos mostram evolução urbana da cidade

O Diario de pernambuco percorreu pelas principais vias da cidade para mostrar como a capital evoluiu urbanisticamente, deixando alguns prédios históricos para trás

Publicado em: 12/10/2024 06:00 | Atualizado em: 11/10/2024 22:28

Fotos do arquivo do Diario de Pernambuco mostram a mudança do Recife em 70 anos (Foto: Arquivo DP/Reprodução/Rafael Vieira)
Fotos do arquivo do Diario de Pernambuco mostram a mudança do Recife em 70 anos (Foto: Arquivo DP/Reprodução/Rafael Vieira)
Os nomes das avenidas Dantas Barreto, Guararapes, João de Barros, Boa Viagem e da Rua da Aurora são comuns para os mais de 1,4 milhão de moradores do Recife, que passam diariamente por estes corredores fundamentais para a mobilidade de uma das principais capitais do Nordeste. 

O Diario de Pernambuco resgatou fotos históricas feitas por profissionais que atuavam no jornal nos anos 1950 e percorreu cinco pontos do Recife para mostrar a evolução urbanística da capital. Imagens feitas fielmente com equipamentos como drones deixam clara a mudança arquitetônica da cidade. 

Hoje, quem percorre estas localidades não costuma pensar que nem sempre elas foram desse jeito, asfaltadas, com sinalização e muito trânsito.

A urbanização acelerada do Recife começou no século XIX, com foco na área central e estabelecendo a atual  estrutura urbana, radiocêntrica, em forma de estrela e em cinco direções (norte, sul, sudeste, oeste e noroeste), resultante da ligação entre seu núcleo primitivo e os antigos engenhos.

À medida que a cidade se desenvolvia, mais pessoas se deslocavam para os bairros periféricos e de municípios vizinhos, como Jaboatão dos Guararapes. A metropolização da capital pernambucana avançou a partir de 1950 nas áreas que dividem o Recife e Olinda. Na década de 1970, a conurbação do Recife com outros municípios foi estimulada pela implantação de distritos industriais próximos à BR-101 e BR-252.

O espaço urbano do Recife passou por intensas modificações a partir do século XX, com foco na área central, que passou por intervenções, ordenamentos e reformas que visavam desobstruir as áreas centrais, removendo sobrados e outras construções. Na época, o objetivo era construir avenidas largas e retilíneas para facilitar o deslocamento de automóveis, bem como elevar construções que estivessem aptas a desenvolver a economia e cultura da área.

“O modernismo emergiu no início do século XX como um movimento muito forte que não só aconteceu na arquitetura, mas nas artes na literatura. Na arquitetura, esse movimento trouxe uma forma de pensar a arquitetura e urbanismo de uma maneira inovadora, enfatizando, principalmente, funcionalidade, inovação e a ruptura de construções anteriores. Ocorreram impactos negativos em relação à preservação e memória dos prédios históricos”, explica o engenheiro civil, arquiteto e urbanista Arthur Andrade.

Segundo o profissional, o movimento trouxe impactos negativos por conta da extrema valorização do novo, fazendo com que prédios históricos dessem lugar a edificações modernas em uma época em que os patrimônios históricos não eram tão valorizados.

Aos poucos, diversas construções foram demolidas para dar espaço às largas avenidas que continuam na capital pernambucana até os dias atuais. O que hoje é conhecida como a área central do Recife foi moldada com base no modernismo e ganhou incentivo do prefeito da época, Augusto Lucena (1971-1975). Ele queria executar uma empreitada de modernização para que a cidade se desenvolvesse economicamente. 

“Ao longo do século XX e início do Século XIX, a cidade se transformou de maneira significativa. Com o crescimento urbano acelerado houve um processo de industrialização e urbanização desordenadas. Dentro desse contexto, a construção de novos edifícios com um design moderno que contrasta com a arquitetura histórica.

Então essa modernização trouxe desenvolvimento, infraestrutura, mas também gerou grandes desafios para a cidade, como degradação de áreas históricas e perda de área verde. A gente aterrou muita área de mangue para que a cidade se expandisse e a gente perdeu, com certeza, essa característica arquitetônica né existentes até o século XX”, complementa Arthur Andrade.

No processo de modernização do Recife, foram demolidos prédios como a Igreja dos Martírios, o Hospital São João de Deus, o Regimento de Artilharia, a Casa Navio, o Edifício Caiçara, a Igreja dos Ingleses, entre outros.

Para entender como a capital pernambucana evoluiu urbanisticamente ao longo dos últimos 70 anos, o Diario de Pernambuco entrevistou Edvania Torres, professora titular e geógrafa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), membro do CREA e membro da Academia Pernambucana de Ciências (APC). A análise do engenheiro civil e arquiteto Arthur Andrade também foi trazida nesta reportagem.

Avenida Dantas Barreto
 (Foto: Arquivo DP/Reprodução/Rafael Vieira)
Foto: Arquivo DP/Reprodução/Rafael Vieira

“A implementação das obras que resultaram na abertura da Avenida Dantas Barreto tiveram início em 1943 com as demolições do de edifícios como o Hospital São João de Deus (datados 1686), o quartel do Regimento de Artilharia (datado de 1786) e a Academia do Paraíso, sucedida pela demolição do Pátio do Paraíso e da igreja com o mesmo nome, onde hoje está o Edifício Santo Albino e posteriormente da igreja dos  Martírios. Tudo isso além de cerca de 45 imóveis demolidos”, explica a geógrafa Edvania Torres.

Segundo a especialista, a avenida contou no seu planejamento com três seções, pode-se dizer, que até hoje se expressam na via. “Em meios a tantas polêmicas e suspensões após o seu estrago, só na década de 1970 ela assume o formato de hoje e em 1993 é implantado o Camelódromo”.

“Após duas décadas da abertura (e subutilização) da Avenida Dantas Barreto, em 1993 o Poder Municipal construiu no eixo desta via uma edificação que passou a abrigar aproximadamente 1.500 comerciantes de rua estacionados, que anteriormente comercializavam na área. Denominada Calçadão dos Mascates, esta intervenção homenageia os antigos comerciantes do Recife”, complementa Edvania Torres.

Para a profissional, “essa avenida é a considerada como a maior cicatriz no planejamento urbano do século passado, representando um esgarçamento do tecido colonial e não atingiu as expectativas criadas pelos urbanismo modernista. Entretanto, destruiu um legado urbanístico e arquitetônico do século XVIII  e século XIX”.

Avenida João de Barros
 (Foto: Arquivo DP/Reprodução/Rafael Vieira)
Foto: Arquivo DP/Reprodução/Rafael Vieira

Para pontuar as mudanças da Avenida João de Barros, o Diario de Pernambuco conversou com o engenheiro civil, arquiteto e urbanista Arthur Andrade, que destacou a presença de áreas verdes e prédios mais baixos ao redor da via, décadas atrás.

“Nota-se uma mudança na malha viária. Me parece que na primeira foto estão construindo, inclusive uma das vias. Então, ocorreu essa essa mudança na malha viária e a gente tem um gabarito de prédios mais altos, perde-se a linha do horizonte, você não consegue mais enxergar o rio, a interação do rio diminui, você perde os grandes lotes, tem uma massificação populacional, vê-se menos casas a as edificações menores são engolidas por essa massa de edifícios”, pontua o engenheiro e arquiteto.

Avenida Guararapes
 (Foto: Arquivo DP/Reprodução/Rafael Vieira)
Foto: Arquivo DP/Reprodução/Rafael Vieira

Para o engenheiro e arquiteto Arthur Andrade, a  “Avenida Guararapes é um testemunho da história da cidade. Alguns períodos deixaram a sua marca na avenida. É uma via que vai combinar, até certo aspecto, com a tradição e a modernidade através da preservação dos edifícios históricos”.

“No primeiro momento existia uma influência da arquitetura colonial: eram construções mais simples e funcionais da arquitetura colonial portuguesa. Depois a gente vem com a influência de estilos neoclássicos durante o período imperial. No início do século XX foi quando ocorreu a grande transformação, trazendo elementos do ecletismo, trazendo essa virada de chave na Avenida Guararapes, que se caracteriza por edificações de uma maneira mais parecida até os dias de hoje”, detalha Arthur Andrade.

Segundo ele, “apesar de ter edificações muito parecidas na foto, a grande mudança foi na parte mais urbana no espaço de uso comum porque ocorreram intervenções que alargaram as calçadas para poder ter um fluxo melhor de veículos e também do pedestre, já que trata-se de uma avenida muito importante comercialmente no Centro do Recife”.

Rua da Aurora
 (Foto: Arquivo DP/Reprodução/Rafael Vieira)
Foto: Arquivo DP/Reprodução/Rafael Vieira

“A Rua da Aurora é um ícone da cidade do Recife moderna. Ela espelha a relação ambígua que marca as intervenções urbanísticas na relação com as águas. Margeando o Rio Capibaribe, cresceu com aterros, negando as características físico-naturais do nosso território. As lembranças mais remotas estimuladas pelas imagens e depoimentos, relatos, e mapas, mostram como essa rua, a exemplo de tantas outras, cresceram ‘espremendo’ e aterrando o rio e os seus braços como ocorreu na atual Avenida Mário Melo”, destaca a geógrafa Edvania Torres.

Edvania destaca que a rua segue com o uso institucional, com as sedes do Tribunal de Contas, Assembleia Legislativa, Secretaria de Planejamento e Gestão, Banco Central, Organização Nacional do Setor Elétrico, dentre outros. 

“A verticalização na Rua da Aurora é uma das suas marcas que mais sensibiliza na paisagem com as suas temporalidades e as adequações nos códigos de obras desde a década de 1940 e, posteriormente, com o Código de Urbanismo e Obras em 1961, até os dias atuais”, explica Edvania Torres, que cita na análise a presença de prédios como o Edifício Alfredo Bandeira (1970), Edifício Iemanjá (1973), seguido do Montreal (1974), e o Edifício São Cristóvão (1975).

“Na atualidade, e desde 2010, segue a verticalização, desta feita, empreendimentos imobiliários em grandes gabaritos, cujas sombras enormes impactam as paisagens e cujas consequências de adensamento já se fazem sentir no novo quadrilátero do mercado imobiliário dourado. Assim, os edifícios atingem até 40 andares e são destinados a um segmento de classe média alta e alta”, observa a geógrafa.

Avenida Boa Viagem
 (Foto: Arquivo DP/Reprodução/Rafael Vieira)
Foto: Arquivo DP/Reprodução/Rafael Vieira

Antes da Avenida Boa Viagem receber este nome, ela era composta por casas de palha e taipa, consequência da transferência de alguns moradores da Ilha do Nogueira, área correspondente, hoje, às imediações do Cabanga. O banho de mar na época não era corriqueiro e só se popularizou no século XIX, quando as casas de pescadores deram lugar às de veraneio.

“Em outubro de 1924, no governo de Sérgio Loreto (1922 – 1926), foi inaugurada a Avenida Boa Viagem, obra essa, que favoreceu o aparecimento de modernas habitações à beira mar, atraindo ricos e pobres em busca de descanso e distração nos domingos e feriados. Para a construção desta, foram demolidos mocambos e novas áreas foram demarcadas dando lugar a uma nova configuração espacial, novos usos e funções”, explica a geógrafa Edvania Torres.

Na época, uma das opções para chegar na Avenida Boa viagem era o bonde que  percorria uma linha de 1.500 metros. de acordo com Edvania, a construção da via foi um desafio para os governos, uma vez que possuía um terreno arenoso.

“Desde a sua inauguração esta via sempre esteve ligada à questão do embelezamento e da estética, apesar do bairro ainda estar semi construído, limitado à orla marítima, avenida dos navegantes, e o bairro do Pina”, destaca a especialista.

“O crescimento urbano deste bairro vem se intensificando desde o final da década de 50, com a construção da ponte Agamenon Magalhães que vem dando início há uma série de intervenções por parte do poder público, com isso o bairro vem ganhando uma maior amplitude no seu uso residencial, atraindo para esta área uma parcela da população com um maior poder aquisitivo, gerando moradias consideradas de luxo, além de uma crescente especulação imobiliária”, observa a geógrafa.

Em conclusão, Edvania destaca que “desde o final da década de 50, a via vem sendo palco de constantes intervenções urbanas. A principal destas, foi esboçado no projeto Cura Beira-mar, elaborado pela Empresa de Urbanização do Recife – URB desenvolvido na administração do governador Jarbas Vasconcelos. Seus pontos essenciais se fundamentam numa visão mais abrangente, como a ampliação de estacionamentos,alargamento de passeios, com demarcação da pista de cooper, melhoria da iluminação, aumento no número de postos salva-vidas, recuperação das áreas de lazer existentes, entre outros”.
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