MEIO AMBIENTE

Estudo inédito aponta contaminação por microplásticos em espécie de tubarão

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) realizou a pesquisa

Publicado em: 30/10/2024 10:40 | Atualizado em: 30/10/2024 10:46

 (Foto: Divulgação/UFPE)
Foto: Divulgação/UFPE
Um estudo inédito realizado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) apontou  como a atividade humana contribuiu para a contaminação por microplástico do cação-figuinho – espécie de tubarão inofensiva com grande incidência na costa brasileira. Além da situação com os cações, a pesquisa constatou que todo o ambiente marinho da costa leste da América do Sul também foi afetado.

“A teia alimentar estuarino-costeira encontra-se totalmente contaminada por microplástico. Essa contaminação mostra-se cíclica no ambiente, não havendo mais como retirar o poluente dela. Isso é um fato que mostra como a atividade humana tem inserido o microplástico no ambiente marinho”, alerta Roger Rafael Cavalcanti Bandeira de Melo na dissertação “Ecologia Alimentar e da Contaminação por Microplásticos em Rhizoprionodon porosus (Poey, 1861) na Costa do Estado de Pernambuco”, defendida em 2023 no Programa de Pós-Graduação em Oceanografia (PPGO) para a obtenção do título de mestre. O trabalho teve orientação do professor Mário Barletta, do Departamento de Oceanografia (DOcean) e do PPGO da Universidade.

De acordo com a pesquisa, a contaminação do tubarão por microplástico está fortemente ligada à alimentação do mesmo.

“A maioria das espécies estuarinas demonstrou contaminação por microplásticos. Dessa forma, quando elas ficam disponíveis na região costeira para serem predadas pelo Rhizoprionodon porosus [nome científico do cação-figuinho], ele acaba se contaminando pelo microplástico que estava na presa. Esse microplástico está inserido no ecossistema de forma cíclica e, provavelmente, não há mais como retirá-lo”, explica o pesquisador. Inéditos, os achados ligam um sinal de alerta para o uso desse predador na alimentação humana, em especial, pelas comunidades ribeirinhas e de pescadores, pois o microplástico pode estar associado a substâncias nocivas.

“Em nossa convivência com a equipe de pescadores, observamos que essa população ribeirinha ingere muito o Rhizoprionodon porosus, por ser um dos tubarões que são mais facilmente capturados. E pode ser que essa carne esteja contaminada ou não seja tão própria para consumo”, adverte o pesquisador. “Uma vez que esse microplástico fica aderido ao corpo, ele vai causar um processo inflamatório naquela região, além de carregar substâncias extremamente nocivas para o organismo, como o mercúrio”, alerta Roger, que ressalta a importância de se estudar o impacto dessa ingestão do microplástico presente no Rhizoprionodon porosus. “É um precedente que a pesquisa também abriu”, avalia. A associação do microplástico com essas substâncias nocivas, a exemplo do mercúrio, porém, não foi pesquisada pelo estudo.

Para chegar aos resultados apresentados no estudo, foram analisados o comportamento alimentar do predador a partir de uma metodologia que levou em consideração as estações de chuva e seca, a distância do predador para o litoral e a fase de desenvolvimento da espécie (recém-nascido, jovem ou adulto).

De acordo com Roger, a contaminação foi maior durante o período chuvoso – com exceção para os tubarões adultos, que tiveram pico de contaminação no período seco. Além disso, quanto maior a distância para a região costeira, menor a contaminação.

“Essas variáveis nunca foram estudadas para essa espécie, o que torna o estudo bastante completo em relação à contaminação e ao caminho que esse microplástico faz até chegar ao predador de topo dentro da teia alimentar estuarino-costeira”, explica Roger, que reforça a importância da adição dos parâmetros espaço-temporais em pesquisas sobre contaminação de microplástico em elasmobrânquios, subclasse de peixes cartilagíneos que inclui os tubarões e as raias.

Análise

Roger explica que o cação-figuinho foi escolhido para o estudo por ser uma espécie abundante na região litorânea pernambucana. Foram analisados 135 exemplares do tubarão, capturados de forma acessória ou involuntária por uma embarcação da colônia de pescadores de Barra de Jangada, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. As coletas ocorreram na plataforma continental pernambucana, entre as divisas da Paraíba e de Alagoas, em um período de 13 meses, abrangendo os intervalos de início e de fim das estações de chuva e de seca. Todos os espécimes estavam contaminados com microplástico. Em especial, por fibras azuis e filmes pretos, originados principalmente da atividade pesqueira e industrial desenvolvida nas áreas costeiras e de estuário. 

“Dentro do período de amostragem, nós fizemos várias fotos dentro da embarcação do plástico coletado. Independente de estar nos peixes ou não, tinha muito plástico no ambiente”, conta o pesquisador. Multidisciplinar, a pesquisa contou com o envolvimento de laboratórios diversos, a exemplo do Laboratório de Ecologia e Gerenciamento de Ecossistemas Costeiros e Estuarinos (Legece), do Departamento de Oceanografia, e também do Departamento de Estatística, ambos da UFPE, bem como do Instituto de Macromoléculas Eloisa Mano, do Rio de Janeiro.

Na avaliação do pesquisador, os resultados encontrados pelo estudo podem ser utilizados em ações que visem preservar o cação-figuinho, espécie mais afetada pela ingestão de microplástico quando comparada a peixes de níveis alimentares inferiores. Os dados indicam ainda a necessidade de apoio e novos estudos envolvendo a zona costeira pernambucana. A pesquisa que deu origem à dissertação de Roger, porém, ainda não chegou ao fim. 

“Nesse estudo, todo o material que foi possível ser aproveitado dos espécimes foi aproveitado para novos estudos. São pesquisas que vão sair posteriormente, tanto em relação à reprodução como à contaminação com metais pesados. Ainda tem coisa a ser estudada nesse sentido”, adianta o pesquisador.
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