MOSTRA DE SP

Hermila Guedes e Marjorie Estiano brilham no decepcionante suspense 'Precisamos Falar'

Dirigido por Pedro Waddington e Rebeca Diniz, o filme tem ainda Alexandre Nero e Emílio de Mello no elenco para debater perigos do extremismo e incivilidades nas novas gerações

Publicado em: 21/10/2024 13:09 | Atualizado em: 21/10/2024 18:06

 (Hermila e Emílio de Mello interpretam pais sob pressão para tomar uma decisão difícil. Divulgação)
Hermila e Emílio de Mello interpretam pais sob pressão para tomar uma decisão difícil. Divulgação
Um dos destaques brasileiros aguardados da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que também teve passagem pelo Festival do Rio, o thriller Precisamos falar coloca duas famílias ideologicamente muito distintas para lidar com um problema que se revela ainda maior do que parecia no começo.
 
A atriz pernambucana Hermila Guedes encabeça o elenco ao lado de Emílio de Mello, no papel do rico casal Anna e Celso, trabalhando intensamente na campanha para governador dele, enquanto Marjorie Estiano e Alexandre Nero interpretam Sandra e Paulo, respectivamente a cunhada e o irmão desequilibrado do último. Quando seus filhos se envolvem no homicídio de uma moradora de rua que estava dormindo em um caixa eletrônico, instala-se uma teia de situações que colocam os adultos sob pressão para decidir que atitude tomar: esquecer o ocorrido ou entregar os adolescentes à polícia?

Longa de estreia da dupla Pedro Waddington e Rebeca Diniz, a partir do roteiro de Sergio Goldenberg, Precisamos falar parte da relativamente conhecida premissa de uma atitude violenta cometida por menores de idade que coloca os pais no divã ideológico - e o filme nem precisava ter um personagem em plena campanha política para isso.
 
Ao contrário de um trabalho como Deus da carnificina, de Roman Polanski, por exemplo - que também tinha dois casais debatendo sobre uma agressão de menores -, este aqui possui uma situação infinitamente mais grave, que dialoga de forma mais urgente com os casos de brutalidade e violência espalhados pelo país contra minorias sociais, com as discussões sobre armamentismo e, sobretudo, com a influência das redes sociais e do mundo digital nesse processo.

Uma outra grande diferença em Precisamos falar é o papel ativo dos jovens na estrutura do roteiro: filhos do casal político, os adolescentes Jefferson e Rick, vividos por Cauê Campos e Guilherme Cabral, tem uma culpa pesada pelo que aconteceu, principalmente o primeiro, jovem adotado pelos pais que tentou impedir a violência contra a vítima e sofre agressões verbais disfarçadas de brincadeira por parte do primo Michel (Thiago Voltolini), filho do casal Marjorie/Nero e o responsável convicto e orgulhoso do episódio criminoso.
 (Marjorie e Alexandre Nero são os pais do violento adolescente Michel. Divulgação)
Marjorie e Alexandre Nero são os pais do violento adolescente Michel. Divulgação
Fazendo um paralelo constante entre as ações dos filhos e os valores dos dois casais, o filme utiliza a obviedade do texto para intensificar a escalada de insanidades defendidas por alguns dos personagens. A aposta na caricatura, porém, não é assumida pela encenação de Waaddington e Diniz, que buscam sempre uma legitimação realista e séria para as situações e diálogos, principalmente através dos mais novos. Existe um esforço para transparecer um discurso potente, mas as relações e conflitos entre os meninos soam demasiadamente televisivos e os desdobramentos transmitem pouca credibilidade dramática.

Hermila e Marjorie são responsáveis pelos momentos mais interessantes aqui justamente porque o contraste entre o discurso ponderado da primeira e as barbaridades normalizadas pela segunda cria um senso de humor franco e deliberado. Alexandre Nero, por outro lado, acaba sendo o mais prejudicado pelas platitudes do texto: seu personagem está sempre um tom acima de todos os outros e seus posicionamentos refletem todas as ações do seu filho, formando uma redundância curiosamente similar a um trabalho anterior do ator, no suspense A jaula, de 2022, em que ele vocalizava coisas não muito distintas.

Há bastante competência formal em Precisamos falar: é notável por exemplo o controle visual que os diretores têm ao lidar com uma câmera na mão que localiza o público nos cenários e evita o clichê da imagem chacoalhada para criar tensão artificialmente. O que atrapalha mais, portanto, não é propriamente a caricatura, mas a indecisão entre transformar tudo em uma grande farsa - o que exigiria, provavelmente, uma contenção do roteiro em menos personagens e melhoraria bastante o ritmo - ou elaborar uma narrativa densa e intrincada que sustente a complexidade do tema.

Essa estratégia contemporânea de denunciar e satirizar o mundo dos privilégios, como um alto falante de uma série de problemáticas enfrentadas pelo Brasil, já rendeu obras interessantes e vários decepcionantes. Mas um denominador comum entre eles é a necessidade de explicitar em texto a natureza de suas questões políticas e encontrar culpados muito fáceis para cada uma delas. Precisamos falar faz jus ao seu título ao se preocupar menos com a complexidade das perguntas e mais com a verborragia das respostas.
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