ESTADOS UNIDOS

Revelações bombásticas do governo Biden sobre início da guerra em Gaza são divulgadas

Série de emails revela a dificuldade da administração Biden em equilibrar e contornar as preocupações e pressões internas sobre o aumento de mortes em Gaza

Publicado em: 09/10/2024 19:07 | Atualizado em: 09/10/2024 21:02

Presidente dos Estados Unidos. Joe Biden   (foto: Brendan SMIALOWSKI / AFP)
Presidente dos Estados Unidos. Joe Biden (foto: Brendan SMIALOWSKI / AFP)

Segundo reportagem do canal CNN, emails obtidos através de uma agência internacional de notícias que se tornaram públicos recentemente, mostram os avisos que foram feitos à Casa Branca pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Pentágono, em outubro do ano passado, logo após os ataques do dia 7, quando Israel iniciou ataques aéreos no norte da Faixa de Gaza. Diversos funcionários do governo norte-americano ligados à defesa e à diplomacia alertaram a Casa Branca que a retirada em massa de pessoas seria um desastre humanitário e podia violar a lei internacional, levando a acusações de crime de guerra contra Israel. A equipe destacou por isso a necessidade dos EUA não apoiarem de forma ilimitada as decisões do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

 

A série de emails revela a dificuldade da administração Biden em equilibrar e contornar as preocupações e pressões internas sobre o aumento de mortes em Gaza com o seu apoio público e inequívoco a Tel Aviv.

 

Os emails foram trocados entre altos funcionários do governo dos EUA, de 11 a 14 de outubro de 2023, poucos dias depois do começo da ofensiva, que revelam o receio do Departamento de Estado e do Pentágono de que um número crescente de mortos em Gaza pudesse violar a lei internacional e ainda prejudicar os laços de Washington no mundo árabe. As mensagens também manifestam a pressão interna sobre a administração Biden para mudar a sua retórica de expressar solidariedade com Israel, de modo a que passasse a incluir ‘simpatia’ pelos palestinos e ainda a necessidade de permitir a entrada de mais ajuda humanitária em Gaza.

 

Muitos responsáveis do governo Biden acreditam que a pressão da Casa Branca sobre o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu naqueles primeiros dias fez a diferença, evitando um desastre ainda pior. Em conversas privadas, a Casa Branca pediu a Israel que atrasasse a ofensiva terrestre para dar mais tempo às organizações não governamentais (ONG) de prepararem e poder dar suporte na ajuda às pessoas deslocadas e para oferecer a Israel mais tempo para fechar um acordo com o Hamas.

 

No entanto, Washington demorou a lidar com o sofrimento dos palestinos, disseram três altos funcionários norte-americanos envolvidos no processo de tomada de decisão. E apesar da invasão terrestre ter sido adiada por cerca de dez dias, atribuíram a pausa mais aos preparativos operacionais dos militares israelenses do que à pressão de Biden.

 

Os emails denotam a resistência inicial da Casa Branca a um cessar-fogo no início da guerra. A troca de emails começou em 11 de outubro, durante o quinto dia de ataques aéreos de Israel após a incursão do Hamas. "Os EUA têm liderado os esforços internacionais para levar ajuda humanitária a Gaza e isso é e continuará a ser uma prioridade máxima. Antes do envolvimento dos EUA, não havia comida, água ou remédios chegando a Gaza", declarou a Casa Branca após a divulgação dos emails.

 

No início, as preocupações cresceram dentro da administração sobre a imagem dos EUA e depois dos bombardeios aéreos israelenses atingirem hospitais, escolas e mesquitas de Gaza, o principal funcionário da diplomacia pública do Departamento de Estado dos EUA, Bill Russo, disse a altos funcionários do Estado que Washington estava perdendo a credibilidade entre o público de língua árabe por não abordar diretamente a crise humanitária, de acordo com um email de 11 de outubro. As autoridades de saúde de Gaza relataram nesse dia cerca de 1.200 mortos.

 

Enquanto Israel defendia os ataques, alegando que o Hamas usava edifícios civis para fins militares, Russo escreveu que diplomatas dos EUA no Oriente Médio estavam preocupados com as notícias da imprensa árabe que acusavam o governo de Israel de travar um "genocídio" e Washington de cumplicidade em crimes de guerra. "A falta de resposta dos EUA sobre as condições humanitárias dos palestinos não é apenas ineficaz e contraproducente, mas também estamos sendo acusados %u200B%u200Bde sermos cúmplices de potenciais crimes de guerra por permanecermos em silêncio sobre as ações de Israel contra civis", escreveu Russo.

 

Naquela ocasião, os socorristas tentavam salvar pessoas que permaneciam sob os escombros dos ataques aéreos de Israel e o mundo começou a se posicionar a favor de Gaza. Dirigindo-se aos líderes do Departamento de Estado, Russo pediu uma ação rápida para mudar a posição pública do governo de apoio ilimitado a Israel e à operação militar em Gaza. "Se esse curso não for rapidamente revertido não apenas por mensagens, mas por ações, corre o risco de prejudicar a nossa posição na região nos próximos anos", escreveu. Russo renunciou em março, citando motivos pessoais. Procurado sobre o vazamento do email, Russo se recusou a comentar os emails que vieram a público.

 

A principal diplomata do Departamento de Estado para o Oriente Médio, Barbara Leaf, encaminhou o email de Russo para a Casa Branca, incluindo para Brett McGurk, o principal conselheiro de Biden para assuntos do Oriente Médio. Leaf advertiu que a relação com os parceiros árabes corria risco devido às preocupações já levantadas por Russo. McGurk respondeu que se a questão era se o governo deveria pedir um cessar-fogo à resposta era "não". Acrescentou, no entanto, que Washington era cem por cento a favor de apoiar corredores humanitários e proteger civis. McGurk e Leaf também se recusaram a comentar sobre a divulgação das mensagens.

 

Após o email de Russo, a posição pública dos EUA na época permaneceu praticamente inalterada nos dois dias seguintes. Em 13 de outubro, dois dias depois do email de Russo, Netanyahu deu aos residentes de Gaza 24 horas para fugir enquanto tropas israelenses apoiadas por tanques começaram um ataque terrestre. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), em Genebra, emitiu uma declaração, dizendo que a ordem de Israel não era compatível com o direito internacional humanitário porque cortaria alimentos, água e outras necessidades básicas no enclave palestino. 

 

"O CICV não está pronto para dizer isto em público, mas está avisando em privado que Israel está perto de cometer crimes de guerra", alertou a vice-secretária assistente de defesa para o Oriente Médio, Dana Stroul, em um email de 13 de outubro endereçado a altos funcionários da Casa Branca. "O argumento principal deles é que é impossível que um milhão de civis se mova tão rapidamente", escreveu Stroul. Um responsável dos EUA citado no email confirmou que seria impossível realizar tal evacuação sem criar uma "catástrofe humanitária".

 

Publicamente, a Casa Branca anunciava o apoio aos planos de Israel. Um porta-voz da Casa Branca disse aos repórteres que uma evacuação tão grande era uma "tarefa difícil", mas que Washington não questionaria Israel. O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, disse que continuaria a enviar ajuda militar para Israel. Respondendo por email a Stroul, McGurk disse que Washington poderia persuadir Israel a estender o prazo para os palestinos se retirarem, dizendo que o governo poderia ganhar algum tempo. Mas a Cruz Vermelha, a ONU e as agências de ajuda deveriam trabalhar com o Egito e Israel para se preparar para a evacuação, escreveu.

 

"A nossa avaliação é que simplesmente não há como ter um deslocamento dessa escala sem criar uma catástrofe humanitária", escreveu Paula Tufro, uma alta autoridade da Casa Branca encarregada da resposta humanitária, num dos emails. Seriam necessários meses para implementar estruturas para fornecer serviços básicos a mais de um milhão de pessoas. Por isso, pediu à Casa Branca que dissesse a Israel para desacelerar a ofensiva.

 

Andrew Miller, então secretário adjunto do gabinete de assuntos do Oriente Médio do Departamento de Estado, pediu aos seus colegas que agissem rapidamente. “Se estivermos inclinados a intervir com os israelenses para dissuadi-los de forçar evacuações em massa, teremos de fazê-lo em breve, em alto nível e em vários pontos de contato”, escreveu Miller, que renunciou em junho, citando motivos familiares.

 

No entanto, os comentários públicos de Biden sobre Gaza deram a Netanyahu apoio e carta branca contra o Hamas.  A posição pública da administração só começou a se alterar em 13 de outubro. Em uma coletiva de imprensa em Doha, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, reconheceu publicamente pela primeira vez o sofrimento das famílias palestinas em Gaza e disse que Washington estava em constantes negociações com os israelenses e grupos de ajuda para auxiliar os civis em Gaza. No dia seguinte, 14 de outubro, a retórica de Biden mudou.

 

 

Novo livro promete mais revelações...

 

O livro do jornalista Bob Woodward, intitulado “Guerra”, que será lançado no próximo dia 15, também vai trazer revelações bombásticas. Uma delas relata que Joe Biden na esfera privada demonstrou sua frustração e desconfiança sobre o líder israelense e o xingou de , "filho da p..." e um "cara de m...E ainda declarou em particular: "Bibi Netanyahu é um cara mau. Ele é um cara mau pra caramba!"

 

Em fevereiro deste ano já havia vazado informações na mídia norte-americana sobre a insatisfação do presidente com o premiê israelense. Fontes sob anonimato disseram a emissora NBC News que Biden, em conversas particulares, reclamava fortemente de Netanyahu, a quem acusou de “infernizá-lo” e que era “impossível” lidar com ele devido a sua recusa de chegar a um acordo de cessar-fogo. “Ele (Biden) sente que (a ação militar) já foi o suficiente”, disse uma dessas fontes. “Tem que parar.”

 

As mesmas fontes garantiram que Biden se referia a Netanyahu em privado com palavras irônicas e depreciativas, como “esse cara”, ou abertamente ofensivos, como “bundão” ou “idiota”.

 

“O presidente deixou claro os pontos nos quais discorda do primeiro-ministro Netanyahu, mas esta é uma relação de décadas que é respeitosa em público e em privado”, afirmou um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional à NBC News na ocasião.

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