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Tragédia de Mariana: saiba tudo sobre o início do julgamento de R$ 248 bi

Justiça inglesa começa a apreciar mérito de ação em que a mineradora anglo-australiana BHP é processada em R$ 248 bi por responsabilidade na tragédia de 2015

Publicado em: 21/10/2024 09:13

Na Inglaterra, representantes de municípios da Bacia Rio Doce e de atingidos por rompimento de barragem fazem protesto por reparação diante da Royal Courts of Justice, em 2022 (Crédito: Mateus Parreiras/EM/D.A Press - 8/4/2022)
Na Inglaterra, representantes de municípios da Bacia Rio Doce e de atingidos por rompimento de barragem fazem protesto por reparação diante da Royal Courts of Justice, em 2022 (Crédito: Mateus Parreiras/EM/D.A Press - 8/4/2022)

Culpada ou inocente? E qual o nível de responsabilidade da mineradora BHP no rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em 5 de novembro de 2015, quando 19 pessoas morreram e 700 mil foram atingidas em toda a Bacia do Rio Doce, de Minas ao Espírito Santo? São essas as perguntas que o julgamento em Londres da multinacional inglesa e australiana tentará responder, a partir desta segunda-feira (21/10), até 5 de março de 2025.

Se considerada culpada, a multinacional poderá arcar com R$ 248 bilhões (US$ 44 bilhões) em indenizações – um acordo dividiu metade a metade os gastos com a mineradora Vale – aos 620 mil clientes do escritório internacional Pogust Goodhead, representante dos atingidos na ação internacional. A reportagem do Estado de Minas informou com exclusividade sobre o processo internacional, em 2018, e está em Londres para acompanhar o início do julgamento. 

O processo corre no Reino Unido por ser a BHP uma empresa anglo-australiana e por ser sócia da Vale na direção da Samarco, a mineradora que operava a Barragem do Fundão, que se rompeu em Mariana, há quase nove anos.

Um pesado duelo entre advogados 

A batalha judicial em Londres promete ser árdua, com o que de melhor se tem no direito internacional. Entre 2018 e 2023, advogados dos atingidos e da BHP batalharam em cortes de Manchester a Londres para decidir se a empresa poderia ser julgada no Reino Unido. A BHP conseguiu vitória em duas instâncias e o caso foi quase extinto, não fosse um dispositivo raríssimo de revisão contra uma “grande injustiça”, como juridicamente classificado. O recurso acabou acatado pelo tribunal de apelação e, ao fim, representou a admissão do caso. 

Com isso, as questões que ocorrem no Brasil interferiram menos no mérito de culpa da multinacional, que será julgado a partir desta segunda-feira (21/10). Por outro lado, até o fim deste mês de outubro está prevista assinatura de novo acordo entre os estados de Minas, Espírito Santo e a União, que tentam compensação de mais de R$ 160 bi com as mineradoras e a extinção da Fundação Renova.

Em outro desdobramento jurídico do caso no Brasil, o Instituto Brasileiro de Mineração questiona no Supremo Tribunal Federal, por Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF-1178), o direito de municípios brasileiros de requererem indenizações no exterior. 

Entre os 620 mil representados na Inglaterra pelo escritório Pogust Goodhead, 23 mil são de indígenas e quilombolas. Além deles, 46 municípios e mais 1.500 empresas, autarquias e instituições religiosas figuram no processo na condição de atingidos. 

“As leis processuais são inglesas, mas a legislação brasileira será obedecida para determinar se a multinacional descumpriu a lei do país. A lei brasileira tem de ser soberana. Mesmo as multinacionais que expatriaram seus lucros para fora do Brasil, como a BHP fez e continua fazendo, precisam obedecer à lei brasileira”, afirma Ana Carolina Salomão Queiroz, sócia do Pogust Goodhead.

No ano passado, por exemplo, isso ocorreu na mesma corte internacional. Na oportunidade, empresas inglesas foram julgadas sob o direito material de outros países, pela última vez em Gana, se utilizando de especialistas para municiar os juízes sobre as responsabilidades e transgressões das companhias inglesas em relação a leis estrangeiras.

O que diz a multinacional

A BHP rejeita o processo no exterior, que classifica como uma duplicidade dos desdobramentos no Brasil, e afirma não ter tido ingerência sobre as decisões da Samarco que culminaram no desastre da Barragem do Fundão. “A BHP refuta as alegações acerca do nível de controle em relação à Samarco, que sempre foi uma empresa com operação e gestão independentes. Continuamos a trabalhar em estreita colaboração com a Samarco e a Vale para apoiar o processo contínuo de reparação e compensação em andamento no Brasil”, informa a multinacional. 

Ainda segundo a BHP, a Fundação Renova, criada em 2016 como parte do primeiro acordo com as autoridades públicas brasileiras, já destinou mais de R$ 37 bilhões em auxílio financeiro emergencial, indenizações, reparação do meio ambiente e infraestruturas para aproximadamente 430 mil pessoas, empresas locais e comunidades indígenas e quilombolas.

Os trâmites da ação internacional

De 21 a 25 de outubro estão previstas as declarações iniciais, em que os advogados de ambos os lados apresentam o caso oralmente. Posteriormente, de 28 a 14 de novembro, ocorre o interrogatório de testemunhas pelos advogados dos atingidos e defensores da empresa. Serão ouvidos diretores da BHP e agentes de governança indicados para a Samarco, entre outros.

Em 18 de novembro começa a oitiva dos especialistas em direito brasileiro. Serão três escolhidos pela BHP e três pelo escritório Pogust Goodhead para nortear a corte sobre o direito brasileiro ambiental, civil e corporativo. 

Entre 13 e 16 de janeiro estão previstas oitivas de especialistas em geotecnia (para falar das condições das barragens, métodos de segurança, prevenção, causas do rompimento, entre outros). Eventualmente poderão ser ouvidos também especialistas em licenciamento. 

O julgamento termina com a sentença de culpa ou inocência, prevista para 5 de março de 2025. Após esse prazo, serão cerca de três meses para a apresentação dos valores a serem indenizados, caso seja essa a decisão da Justiça na ação internacional.

As informações são do Estado de Minas.
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