URBANIZAÇÃO

Centenário da Avenida Boa Viagem: imagens mostram como a via se transformou ao longo de 100 anos

Boa Viagem deixou de ser um bairro de veraneio e se transformou em um dos metros quadrados mais caros do Recife

Publicado em: 04/11/2024 05:16 | Atualizado em: 04/11/2024 05:15

A história desta via iniciou antes mesmo de sua construção, quando o Bairro de Boa Viagem era composto por poucas casas e terrenos desvalorizados (Foto: Arquivo DP Foto/Reprodução Rafael Vieira)
A história desta via iniciou antes mesmo de sua construção, quando o Bairro de Boa Viagem era composto por poucas casas e terrenos desvalorizados (Foto: Arquivo DP Foto/Reprodução Rafael Vieira)
A Avenida Boa Viagem, uma das principais vias e cartão postal do Recife, chegou aos seus 100 anos no dia 20 de outubro. Fotos do acervo do Diario de Pernambuco mostram que a via já foi composta por casas de veraneio e que por lá passava um bonde. A história da via também foi registrada em imagens feitas por fotógrafos do jornal e que constatam o processo de evolução.

Atualmente a avenida é um símbolo da capital por ter uma grande importância para mobilidade e turismo, uma vez que é local de passagem de cerca de 20 mil veículos por dia e atrai diversos turistas durante todo o ano, principalmente por conta das praias e dos hotéis de luxo à beira mar.

Apesar de hoje ser um local marcado por edifícios modernos, a Avenida Boa Viagem nem sempre teve essa imagem, uma vez que o bairro era considerado distante do Centro da capital e era composto por uma vila de pescadores. A história desta via iniciou antes mesmo de sua construção, quando o Bairro de Boa Viagem era composto por poucas casas e terrenos desvalorizados.

“A construção da avenida fazia parte de um projeto de expansão da cidade para além da área central da ocupação inicial do Recife, em uma proposta higienista e de ampliação do mercado imobiliário. Em 1926 foi construído um obelisco na praça de Boa Viagem em com marco de inauguração da pavimentação da avenida. Com a construção da avenida vários chalés e palacetes foram surgindo em toda sua extensão, havia isenção de impostos até 1930 para quem construísse na avenida Beira Mar”, explica explica Mariana Zerbone, professora da UFRPE e coordenadora do Laboratório de Estudo sobre o Recife (RecLab).
 (Foto: Arquivo DP Foto/Reprodução Rafael Vieira)
Foto: Arquivo DP Foto/Reprodução Rafael Vieira

A avenida começou a ser construída no século XX pelo governador da época, Sergio Loreto, com o objetivo de facilitar o deslocamento da população até as praias da Zona Sul. Em 20 de outubro de 1924, a via foi inaugurada com o nome de Avenida Beira Mar em  uma cerimônia promovida pelo governador, que chegou ao local na limusine oficial do Governo do Estado.  Naquela época, o bairro de Boa Viagem possuía cerca de 60 casas.

Após a inauguração da avenida, diversos automóveis saíram em comboio para percorrer pela via como forma de comemoração. No ano seguinte, foram inaugurados cinco quilômetros de trilhos do bonde que passaria pela avenida, percorrendo o trecho da antiga pracinha ao Pina. Na época, o superintendente da companhia ferroviária Tramways, Arthur Smith, contou ao Diario de Pernambuco que a primeira viagem só seria realizada em 2931, mas o governador  Sérgio Loreto apressou as obras.

O governador acreditava que Pernambuco iria lucrar muito mais com os serviços que estavam sendo desenvolvidos na Avenida Boa Viagem e se sentia satisfeito com o resultado das melhorias aplicadas na via, uma vez que ele havia sido acusado pela população de desperdiçar dinheiro público em um local que era pouco visitado. Após a finalização da avenida, em 1926, o bairro de Boa Viagem passou por um processo acelerado de verticalização.

“A expansão da cidade para Boa Viagem está atrelada a 3 principais fatores, a valorização do banho de mar como medicinal que contribuiu para a construção de casas de veraneio na orla de Boa Viagem, a implantação do bonde elétrico no Recife que possuía um ramal para Boa Viagem, e a proposta de modernização das cidades com planos urbanísticos, entre eles o da construção da avenida Boa Viagem”, detalha Mariana Zerbone.

Com as mudanças ocorridas em Boa Viagem com a presença da avenida, o bairro se tornou o mais rico da Zona Sul do Recife e um dos mais importantes do Recife. Para se ter uma noção, por conta da facilidade para chegar no bairro de automóvel, os terrenos foram valorizados rapidamente, o que foi constatado em anúncios de jornais da época, que mostravam que  terrenos subiram de 4000 cruzeiros para 1,200,000, após a Segunda Guerra Mundial.
 (Foto: Arquivo DP Foto/Reprodução Rafael Vieira)
Foto: Arquivo DP Foto/Reprodução Rafael Vieira

Mariana Zerbone ainda comenta que “a‘ partir da década de 1970, em função das sucessivas cheias, o bairro de Boa Viagem passa a ser escolha para moradia da classe média recifense, impulsionando o processo de verticalização no bairro e também na Avenida Boa Viagem, configurando a atual paisagem da avenida, que faz sombra na praia a partir das 14h”.

“Atualmente a avenida quase toda ocupadas por arranha-céus, de alto padrão, e um decreto de lei do final do século XX instituiu que não se pode construir mais estabelecimentos comerciais ao longo da avenida, os que permanecem são anteriores a este decreto, e muitos que existam deram lugares a prédios residenciais ou hotéis. A avenida foi lugar para muitos restaurantes e bares que foram desaparecendo e dando lugar aos edifícios residenciais, devido a valorização do solo na avenida”, complementa a professora.

Boa Viagem abrigou prédios icônicos do Recife

A chegada de mais moradores tirou de Boa Viagem a imagem de um bairro de veraneio e uma tranquila colônia de pescadores, deixando o local como um dos mais disputados por moradores e comércio. Ao longo destes 100 anos, a avenida abrigou diversos edifícios históricos, alguns apagados pelo “fantasma” do modernismo e outros sobreviventes em meio aos arranha-céus.
 
"Alguns edifícios e palacetes tornaram-se símbolo de um tempo da Avenida Boa Viagem, principalmente referente ao final da primeira metade e início da segunda metade do século XX", explica Mariana Zerbone.

Hotel Boa Viagem

“Na década de 1950 a avenida inicia uma segunda fase na sua ocupação, com o início da verticalização, seguindo os moldes de Copacabana no Rio de Janeiro Em 1954 o hotel Boa Viagem foi inaugurado na parte sul da avenida, próximo da igreja de Nossa senhora da Boa Viagem”, relembra a professora da UFRPE.

O Hotel Boa Viagem foi o primeiro edifício de grande porte de Boa Viagem. Inaugurado em 1954, o prédio ficava localizado perto da Pracinha e possuía 100 apartamentos de luxo, todos com vista para o mar. O local era um dos principais points do Recife e também esteve rodeado de episódios controversos, como a hospedagem de tripulantes de um avião do Líbano, enviado pelo ditador Muamar Kadafi, cheio de armas, que foi apreendido na Base Aérea do Recife.

No hotel também já ficaram localizadas duas boates que faziam grandes sucessos na época, a Number One e a Champagne. O Hotel Boa Viagem foi demolido em 2007 para dar lugar a outros edifícios, entre eles o Maria Ângela Lucena. 

Edifício Caiçara

O Edifício Caiçara foi construído na década de 1930 com um estilo arquitetônico neocolonial, mesmo que naquela época já existissem prédios mais modernos. O edifício era composto por três pavimentos com apenas seis apartamentos, cada um com 147 metros quadrados de área.

Ele se destacou como um símbolo das casas de veraneio da orla de Boa Viagem, mas acabou sendo desocupado em março de 2012. O Edifício Caiçara entrou em processo de tombamento em 2011, o que impediu a demolição dele por um tempo.  A polêmica envolveu a prefeitura da capital, o Ministério Público de Pernambuco, o Judiciário, arquitetos e historiadores.

Mas em 2016, o processo de demolição retornou para que naquele local fosse construído mais um arranha-céu na avenida.

Castelinho

O Castelinho, prédio icônico da Avenida Boa Viagem, foi construído em 1905 por um francês que trabalhou na modernização do Porto do Recife. O palacete foi comprado pela pela família Cardoso Ayres e depois tornou-se casa de veraneio do usineiro Alberto Brito Bezerra de Mello.

Ele foi uma das primeiras construções na avenida e já naquela época chamava a atenção de quem passava pelo local. O Castelinha tinha um restaurante que contava com arborizada área externa. Na década de 1990, foram construídos na área da edificação os edifícios Castelinho e Castelo del Mar, na esquina com a Rua Benedito Chaves.

O Castelinho está na lista dos imóveis especiais de preservação (IEP), a edificação foi mantida e compõe a área comum do condomínio.

Casa Navio

A Casa Navio foi construída em 1940 em um terreno com quarenta metros de frente, que ia da Avenida Boa Viagem à Rua dos Navegantes. O modelo foi feito pelo empresário Aldemar da Costa Carvalho, que teve como inspiração o "Queen Elizabeth”, mais luxuoso transatlântico do mundo.

O empresário queria fazer um grande prédio na avenida, mas concordou em fazer uma casa no estilo de um navio com três andares. A tinha  sala de cinema, salão de jogos, duas suítes, quatro quartos, sala de reuniões, restaurante e uma cabine de comando igual à de um navio.

O imóvel foi inaugurado com uma  festa de carnaval em 6 de fevereiro de 1946. A casa ficou de pé por 41 anos e foi demolida em 1981 para dar espaço ao Edifício Vânia.

“Era uma construção peculiar, pois possuía o formato de um navio, que se destacava na paisagem da avenida. A demolição e substituição destas casas e palacetes aconteceu por uma nova fase referente aos usos na avenida. A valorização do metro quadrado, que até hoje é um  dos mais caros da cidade, impulsionou a expansão da verticalização, onde as construtoras passaram a incorporar e substituir as casas e a até pequenos edifícios, inclusive os emblemáticos, por prédios de alto padrão, constituindo uma paisagem bastante verticalizada, que caracteriza a avenida até hoje”, pontua Mariana Zerbone.

Cassino Americano

O antigo Cassino Americano foi levantado na década de 1940 no início da Avenida Boa Viagem, no bairro do Pina. O local foi palco de festas, confraternizações e jogos para a sociedade.

Mariana Zerbone conta que esta “foi uma construção estadunidense na extremidade norte da avenida boa viagem, inaugurado em 1944, no final da segunda Guerra Mundial, em que esta área foi base dos Estados Unidos no Recife. A localidade ainda é possível identificar o edifício, porém já assumiu vários usos após seu fechamento, entre eles boates, supermercados e churrascarias. Antes de ser o cassino americano, ali existia o Cassino do Pina”.

Atualmente o prédio está degradado, sem janelas, sem pintura e forro do teto desabando. O espaço está na lista de Imóveis Especiais de Preservação (IEPs) da Prefeitura do Recife, que determina que o prédio não pode ser demolido e sim preservado pelos proprietários. O imóvel está interditado  e pertence ao Grupo João Santos, que entrou em processo de recuperação judicial.

A avenida que se vê hoje

A Avenida Boa Viagem continua imponente até os dias atuais, fazendo com que a Zona Sul tenha o metro quadrado mais caro da capital. Hoje, a avenida é marcada por arranha-céus que se perdem quando a população olha para cima. Aos poucos, os prédios históricos deram espaço aos edifícios mais modernos e Boa Viagem deixou de ser um bairro de veraneio, sendo um sonho de consumo para muitos pernambucanos.

A Prefeitura do Recife anunciou uma série de melhorias no calçadão da avenida, o que permite uma valorização ainda maior daquela área. Com os ajustes no edital de licitação, o Projeto Orla Parque passou a ter valor máximo de até R$ 127 milhões.

O Projeto Orla Parque prevê a criação de centralidades, melhorias na segurança e iluminação, dobrou o número de banheiros, além de reforma de toda a estrutura física do calçadão e aumento da área verde. 

A gestão municipal já entregou 60 quiosques ao longo da Avenida Boa Viagem, 12 banheiros requalificados e está executando as obras de mais oito. Além disso, atualmente estão sendo feitas as requalificações dos dez quiosques situados na Avenida Brasília Formosa e da sede da Associação Esportiva Cultural Sereias Teimosas. Recentemente, também foi iniciada a construção da primeira centralidade: Porto Terra Nova.
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