CINEMA
'Gladiador II' prioriza escala recreativa e opulenta do Império Romano
Elenco sólido, elevado por presença magnética de Denzel Washington, e excelentes coreografias de luta compensam diversos atalhos do roteiro
Por: André Guerra
Publicado em: 16/11/2024 06:00 | Atualizado em: 16/11/2024 06:38
Paramount/Divulgação |
Desde a estrondosa repercussão de Gladiador em 2000, acumulam-se planos para uma sequência. Ridley Scott, à época já um dos diretores mais prestigiados devido aos ícones da ficção Alien: O 8º passageiro e Blade Runner, reconfigurou sua fama a partir dos épicos históricos. A ambição de retornar ao Império Romando, portanto, dependia de uma história que impedisse a continuação de virar um capítulo pálido e descartável na comparação com o sucesso do primeiro filme. Em boa medida, pode-se dizer que encontraram - ainda que o apelo principal de Gladiador II, em cartaz nos cinemas, não esteja necessariamente na força do seu argumento.
A trama se passa anos depois dos eventos do original e acompanha Lucius (Paul Mescal), filho de Maximus (Russell Crowe), que foi mandado para longe de Roma pela mãe, Lucilla (Connie Nielsen), para sua própria proteção e se tornou um guerreiro na Namíbia. Após perder a esposa e toda a sua vida na violenta conquista do lugar comandada pelo general Acacius (Pedro Pascal), o protagonista vira prisioneiro de guerra e é comprado como gladiador por Macrinus (Denzel Washington), que tem planos próprios para controlar o império em ruínas governado pelos tirânicos Geta (Joseph Quinn) e Caracala (Fred Hechinger).
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A profusão de personagens e narrativas operando em conjunto dentro dessa escala épica é um dos principais desafios de Gladiador II, que faz equilibrismo para trafegar entre a devoção ao imaginário do longa anterior e a visão proposta a partir das suas próprias pernas. As tentativas de evocar a atmosfera do primeiro são inevitáveis, mas nem sempre bem justificadas e às vezes apenas sem imaginação, como em flashbacks e rimas visuais. Já a busca por uma tramoia política romana que desgarre o roteiro dos desdobramentos conhecidos pelo público encontra no personagem de Denzel a sua principal força - e o ator faz de Macrinus o elemento de maior frescor e carisma do filme.
O cinismo e a desilusão política de Ridley Scott com relação ao momento atual do mundo transparecem em Gladiador II tanto em sua violência direta e espetaculosa quanto nesse retrato comicamente caricato dos imperadores gêmeos, o que já diferencia a continuação da solenidade dramática do clássico de 2000. O cineasta nunca foi afeito a sutilezas e aqui abraça o senso recreativo que aquele universo possibilita em praticamente todos os seus excessos, utilizando os dados históricos como pano de fundo para o entretenimento, colocando tubarões no coliseu inundado e realizando seu sonho de uma batalha com um rinoceronte (entre outros animais).
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A auto-seriedade de alguns de seus projetos dá lugar a uma objetividade que impera sobre qualquer detalhamento maior dos personagens ou do desenrolar da trama - o que favorece muito o ritmo, ao priorizar o impacto da ação, mas acaba por soterrar o impacto de vários acontecimentos, em particular no apressado terço final. Na prática, o que este perde para o primeiro em impacto emocional ganha na clareza da encenação e coreografias das batalhas.
De longe em seu maior papel, Paul Mescal ajuda a dar alguma autonomia ao filme em um personagem que foge do conceito de heroi virtuoso impostado na robustez de Russell Crowe, mesmo que o longa faça paralelos óbvios entre as jornadas de pai e filho para corresponder à lógica contemporânea de legado e nostalgia. Os problemas relacionados ao seu protagonista vêm menos da responsabilidade de Mescal e mais da dificuldade do roteiro assinado por David Scarpa e da direção de Scott em atribuir densidade à trama, o que tira muito da consistência emocional de Lucius, que olha para a mãe com ódio em uma cena e na segunda interação com ela já está com o olhar completamente transformado.
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Mesmo a presença hipnótica de Denzel Washington é projudicada no terceito ato por essa falta de detalhamento político de Gladiador II, que, novamente, soa um constante pulo do gato para partir ao que realmente lhe interessa, o que, diga-se, tem tanto sua parcela de safadeza quanto de prazer (notável, por exemplo, como as 2h30 passam rápido).
É perceptível, de qualquer modo, uma sintonia grande entre o elenco e o diretor através da falta de cerimônias com que se lambuzam na pancadaria da arena ao ponto de sacrificarem vários outros setores da dramaturgia. Para uma filmografia que vinha cambaleando com projetos cinzas e mal balanceados entre o exagero e a sisudez, como Casa Gucci e Napoleão, essa volta assumidamente brejeira ao Império Romano tem, sim, seus percalços, mas foi uma boa forma de retomar um ideal de entretenimento no qual o cinema comercial hollywoodiano raramente se deleita com tamanha opulência.
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